17.512 morreram de covid depois de tomar 2ª dose da vacina no Brasil
Isso já era esperado. 98% foram idosos vacinados; dado corrobora estudos mostrando efetividade menor do imunizante entre os mais velhos
Há comprovação científica de que as vacinas contra o coronavírus ajudaram vários países a reduzir o número de mortos pela doença. Esse é o caso do Brasil.
Estudos estimam que a imunização no país evitou no mínimo 40.000 mortes. Há dados conclusivos mostrando que os grupos que primeiro foram vacinados no país também experimentaram, antes dos outros, queda na mortalidade por covid. Nenhuma vacina, no entanto, é 100% eficaz.
Levantamento do Poder360 mostra que, desde o começo da imunização, 17.512 já morreram de covid depois de tomar a 2ª dose do imunizante.
A análise inclui registros de 562 mil mortes no banco de dados do SUS, atualizado nessa 4ª feira (22.set.2021). Só foram considerados totalmente imunizados aqueles que haviam recebido a 2ª dose pelo menos 14 dias antes de apresentarem os primeiros sintomas da doença. Parte dos registros sobre morte não traz informação sobre vacinação. Isso significa que o número de óbitos por covid de totalmente imunizados pode ser maior.
Especialistas já esperavam mortes depois da imunização. “Não é surpresa nenhuma que isso aconteça. Não existe 100% de efetividade vacinal. O que precisamos é analisar como e quando está ocorrendo”, diz Raquel Stucchi, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Idosos são 98%
O fator que mais chama atenção no grupo de totalmente vacinados que morreram de covid é a idade. Das 17.512 pessoas nessa situação, 17.151 (98%) tinham mais de 60 anos. Entre todos os mortos por covid (incluindo os não vacinados), o percentual de idosos é de 68%.
A idade média desses mortos vacinados em setembro foi de 77 anos. Já a idade geral de quem morre por covid no Brasil é de 57 anos.
Em parte, essa diferença de idade se deve ao fato de que os idosos receberam bem antes as duas doses. Portanto, durante a maior parte do tempo até agora, eles foram maioria dos totalmente imunizados.
“A vacinação começou pelos mais idosos e só acelerou no final de junho. Até o começo de julho, os idosos eram a maior parte dos que tinham a 2ª dose. Por isso, é natural que sejam a maioria também desses mortos”, afirma o cientista de dados Márcio Watanabe, professor do Departamento de Estatística da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Além de terem se vacinado antes, outro fator pode contribuir para que mais idosos estejam entre os mortos com vacinação completa: imunossenescência. A palavra designa um fato bem conhecido pela ciência: conforme a idade avança, a resposta do sistema imunológico se torna menos eficiente. Isso inclui as vacinas. Ou seja, as vacinas, qualquer vacina contra qualquer doença, produzem uma resposta menos potente em pessoas mais velhas.
Há também diferença em relação à proporção de comorbidades entre os mortos. Ao se considerar todos os óbitos, 72% dos registros eram de pessoas que tinham algum fator de risco, como diabetes ou hipertensão. Entre os vacinados que morreram, esse percentual sobe para 84%.
Isso pode estar relacionado ao fato de que essas doenças são mais frequentes em pessoas mais velhas, que foram as mais atingidas nesse grupo.
Vacinados há 2 meses e meio
Em média, os mortos totalmente imunizados tinha recebido a 2ª dose 78 dias antes de apresentar sintomas.
Esse intervalo curto levanta para infectologistas a suspeita de se tratar de pessoas para as quais a vacina não foi efetiva, e reduz a chance de que tenha havido queda de imunidade com o tempo.
“Esse grupo parece ser mais falha vacinal. A perda de imunidade, se acontecer, vai se configurar mais meses para a frente“, afirma Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
“Entre o 1º e o 3º mês de vacinação é quando a imunidade atinge o seu ápice, seu pico de eficácia”, complementa Watanabe. “Não há, ainda, evidências de que esteja havendo perda de proteção da vacina com o tempo”, opina.
O cientista de dados contesta a avaliação de que já foi demonstrada redução da proteção da vacina de covid com o tempo. “Muito da literatura que diz que efetividade diminuiu só analisou a redução da quantidade de anticorpos. Mas queda de anticorpos não significa que houve perda de efetividade do imunizante“, pondera.
Mais mortes no Brasil que nos EUA
Os Estados Unidos têm 328 milhões de habitantes, população superior à brasileira (213 milhões). Mesmo assim, foram pouco mais de 3.000 mortes entre os completamente vacinados, de acordo com o CDC (contra as 17.512 no Brasil). Lá, como aqui, predominam os casos de idosos (87% acima de 65 anos).
“Ainda é um número reduzido, mas a variante delta deve fazer com que esses registros de mortes subam em breve”, afirma o pesquisador Hyng Chun, de Yale, que publicou estudo sobre o tema na revista Lancet.
Perguntado sobre a diferença dos números dos Estados Unidos com o Brasil, Chun diz que há 2 fatores principais que podem ajudar a explicar: a) momento diferente da pandemia nos 2 países (com mais vírus circulando são esperadas mais mortes de todos, incluindo de vacinados) e b) diferença de eficácia entre as vacinas administradas.
É o que também diz Manoel Barral-Neto, um dos autores de estudo ainda em pre-print (sem revisão de outros cientistas) sobre a eficácia das vacinas AstraZeneca e CoronaVac. O pesquisador da Fiocruz destaca que há uma série de fatores que podem fazer com que o risco de contrair o coronavírus e morrer, mesmo com vacina, esteja maior ou menor em determinado período e local. “De concentração de pessoas a hábitos de usar ou não máscara, são vários os fatores que aumentam ou não o nível de risco contra o qual o imunizante terá de atuar“.
Barral-Neto afirma que a escolha da vacina também certamente conta.
“As vacinas de vírus inativado, como a CoronaVac, são vacinas que, em geral, levam a proteção menos efetiva que as vacinas de RNA mensageiro [como a da Pfzer e a da Moderna]“, diz.
A maioria dos idosos brasileiros recebeu doses da CoronaVac, a 1ª vacina disponível em larga escala no país. Foi majoritariamente a partir da vacinação com esse imunizante que os índices de mortes começaram a cair no Brasil. Nos EUA, foram usadas vacinas de RNA mensageiro, como a da Pfizer e da Moderna, além da Janssen.
O estudo de Barral-Neto registrou eficácia menor da CoronaVac em relação à AstraZeneca, que tem tecnologia de vetor viral (usa um vírus diferente do coronavírus modificado geneticamente para auxiliar na produção de anticorpos). Essa diferença é ampliada em grupos mais idosos. Outra pesquisa recente, publicada por pesquisadores no British Medical Journal, mostra resultados semelhantes.
“As diferenças passam a ser mais gritantes em indivíduos acima de 65 ou 70 anos. Claramente não estamos falando que a vacina é ruim, é que elas têm níveis de proteção diferentes. A CoronaVac teve papel importantíssimo para conter a pandemia no Brasil e ainda tem proteção muito boa entre jovens”, reforça Barral-Neto.
Isabella Ballalai lembra da importância de que se mantenham medidas de controle e distanciamento e evitar aglomerações. Isso, diz, é especialmente mais importante entre os mais velhos. Por conta da imunossenescência, esse grupo é o que tem mais risco de morte depois de totalmente vacinado.
“Foi divulgada informação errada de que vacinas protegem 100%. Não se pode acreditar nisso. As pessoas não podem entender a vacina como uma ferramenta isolada e largar mão de outras medidas. Enquanto ainda houver muita circulação de vírus, há risco”, diz Isabella. A infectologista defende que uma 3ª dose, que não deveria ser de CoronaVac, pode ajudar a população mais velha.
Já pesquisador da Fiocruz destaca que, como nenhuma vacina é 100% segura, é necessário manter os cuidados de distanciamento e uso de máscaras. Entre os idosos, isso merece ainda mais atenção. “Não é porque você tem um airbag no carro que deixa de usar o freio, certo? A vacina é como um airbag. Funciona se a 1ª proteção falhar. Mas a 1ª proteção, o freio, é usar máscara, são as medidas de distanciamento”.
Fonte: https://www.poder360.com.br