Doentes mais graves de Covid-19 perdem até 2% de músculos por dia, diz estudo brasileiro
Condição debilitante pode ser revertida nos mais jovens, mas idosos carregam sequelas mais graves
Estudo do Hospital Sírio-Libanês feito com 40 pacientes no estado mais grave de Covid-19 revelou que a perda muscular nesses casos pode chegar a 2% por dia no período crítico da infecção —quando são necessárias a intubação e a imobilização para a respiração mecânica.
O dado reforça a necessidade de a reabilitação do paciente começar o quanto antes para agilizar o processo de recuperação, especialmente em idosos que já tenham alguma limitação de mobilidade e que podem perder qualidade de vida e se tornarem mais dependentes após a saída do hospital.
A sarcopenia (perda de massa muscular) acontece naturalmente nos mais velhos, mas pacientes que ficam na UTI por longos períodos podem ter o processo acelerado por falta de movimento ou até por ação de alguns medicamentos.
No caso da Covid-19, o dano é potencializado pelo período maior de internação —que passa de 15 dias em alguns casos—, uso de corticoides para combater infecções e possível ação do vírus e da inflamação que ele desencadeia no tecido muscular e nos nervos, explica Isabel Chateaubriand, coordenadora médica da Reabilitação do Hospital Sírio-Libanês e líder da pesquisa.
“O paciente mais grave de Covid-19 perde em apenas um ou dois dias o que uma pessoa com idade de 50 a 60 anos perde em dois anos. É como se ele tivesse um superenvelhecimento”, afirma a médica. Segundo ela, entre os 50 e 60 anos de idade uma pessoa pode perder até 10% da massa muscular naturalmente.
Dor muscular e fraqueza são dois dos sintomas mais frequentes em pessoas infectadas pelo Sars-Cov-2. Em editorial de junho deste ano, o periódico internacional Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle afirmou que o músculo esquelético possui o receptor ECA2, ao qual o vírus se liga para danificar as células.
De acordo com Chateaubriand, o relato de dores musculares e fadiga mesmo em casos mais brandos da doença indicam lesão nos músculos. Segundo ela, as perdas são notadas em pessoas de todas as idades, mas são mais intensas nos mais velhos, que já passam por um processo natural de redução dos músculos.
Os mais jovens e com melhor condicionamento físico são os que têm maiores chances de reverter o quadro completamente.
“Uma pessoa de 35 anos que teve a doença e perdeu cerca de 20% da sua reserva de músculos pode ter dificuldade para andar no começo. Se o paciente tiver mais de 50 anos, as dificuldades serão ainda maiores”, diz. “Outras funções também podem ficar prejudicadas; precisamos dos músculos para fazer digestão, fazer o coração bater.”
A Covid-19 pode deixar consequências em diversas partes do corpo como pulmão, coração, vasos sanguíneos, rins e cérebro. A perda de olfato, sintoma comum durante a doença, também pode durar por meses. Como se trata de uma doença nova, não se sabe ao certo por quanto tempo esses efeitos podem permanecer.
“Por muitos meses pensamos só em como manter o paciente vivo e as estratégias de reabilitação ficaram em segundo plano. Passado o primeiro impacto, é hora de pensar em como devolver o paciente para sua casa da melhor forma possível”, diz a médica.
Os pesquisadores do Sírio-Libanês usaram uma técnica baseada em imagens de ultrassom para medir a qualidade e a perda de músculos nos pacientes. Os estudos sobre a sarcopenia que possibilitaram os últimos resultados estão em andamento há pelo menos dois anos na instituição.
“Quando veio a pandemia, notamos que os pacientes perdiam músculos muito rapidamente e decidimos usar a mesma técnica para medir essa perda”, conta Chateaubriand. De acordo com ela, está claro que iniciar a fisioterapia e a terapia ocupacional o quanto antes acelera a recuperação.
As abordagens para a reabilitação incluem exercícios, melhorias na nutrição e estímulos elétricos para o músculo.
Pacientes com melhor condicionamento físico e maior reserva de músculos tendem a reagir mais rapidamente durante a recuperação, diz Chateaubriand.
A médica lembra da necessidade de manter músculos saudáveis e em proporção adequada para o melhor enfrentamento e recuperação de doenças. Estudo anterior realizado pelo mesmo grupo mostrou que pessoas com maior reserva de músculos têm uma melhora mais rápida após uma cirurgia.
Para fazer esse reservatório, Chateaubriand recomenda cerca de 150 minutos de atividade aeróbica (corrida, caminhada, natação, entre outras) e duas sessões de exercícios de força por semana, nutrição adequada e controle doenças crônicas, como hipertensão e diabetes. Desnutrição e obesidade também levam a uma perda de músculos mais rápida, alerta a especialista.