Estudo mostra que 60% dos brasileiros deixaram de controlar diabetes na pandemia
Falta de controle da doença, sedentarismo e descuido com alimentação trazem consequências sérias
A pandemia de Covid-19 impactou negativamente o controle do diabetes pelos brasileiros que convivem com a doença. É o que aponta um estudo realizado com mais de 1.700 pacientes e publicado em agosto pelo periódico científico Diabetes Research and Clinical Practice.
De acordo com o levantamento, feito pela SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) em parceria com vários pesquisadores, entre 22 de abril e 4 de maio 59,4% dos pacientes apresentaram piora no controle da doença e consequentemente no índice glicêmico durante a pandemia; e 59,5% reduziram a prática de atividades físicas.
Outro dado preocupante é que 38,4% adiaram consultas ou exames marcados e 40,2% não marcaram novas idas ao médico desde o início da pandemia. Por outro lado, 95% dos diabéticos respeitaram as orientações de distanciamento social.
“Aprendemos na pandemia que não só a obesidade mas também o diabetes são fatores para uma evolução pior da Covid-19. Então, é importantíssimo cuidar de todas as doenças crônicas”, alerta a endocrinologista Priscilla Olim Mattar, diretora médica da empresa de saúde Novo Nordisk.
Para reforçar a importância de tratar o diabetes ao longo da pandemia, a SBD e a Novo Nordisk lançaram a campanha Diabetes na Rotina. A ação traz como embaixador o ator Babu Santana, diagnosticado com diabetes tipo 2.
O Brasil tem 16 milhões de diabéticos e em 2045 chegará a 20 milhões, segundo a SBD. Estima-se que 46% do total não sabem que têm a doença.
Diabetes é uma doença crônica que afeta a maneira como o corpo metaboliza a glicose. Entre os sintomas mais comuns estão sede excessiva, aumento do apetite, perda de peso, vista embaçada, infecções frequentes e vontade de urinar várias vezes ao dia e à noite.
Existem dois tipos de diabetes: no 1 há a deficiência de insulina; já o 2 é associado fortemente ao estilo de vida, principalmente obesidade, e predisposição genética hereditária.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, mais de dois terços das pessoas que morrem do coração têm diabetes e mais de 80% das mortes por diabetes estão relacionadas a problemas cardíacos e renais.
“É um sério problema de saúde pública, pela prevalência elevada e pelo aspecto de muitos pacientes com doenças cardiovasculares serem acometidos pelo diabetes. Isso tem um impacto forte em relação à mortalidade”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga.
Além de complicações cardiovasculares e risco de morte para Covid-19, o diabetes traz outras consequências se não for controlado.
A amputação de membros inferiores é uma das complicações mais sérias do diabetes, segundo o presidente da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé, José Antônio Veiga Sanhudo. “A maior causa de internação hospitalar do diabético é por problemas nos pés. Úlceras que não cicatrizam levam à amputação dos membros inferiores em 84% dos casos”, afirma Sanhudo.
De janeiro a agosto de 2020, foram realizadas 10.546 amputações de membros, ao custo de R$ 12,3 milhões aos cofres do Ministério da Saúde.
O médico recomenda ao paciente diabético examinar os pés diariamente e visitar o ortopedista pelo menos uma vez ao ano mesmo se não tiver sintomas.
O descuido com a alimentação transformou a vida da santista Jenifer Pavani Ribeiro, 39, diabética desde os nove anos. Ela seguiu rigorosamente o tratamento a base de insulinoterapia e dieta restritiva por três anos. Dos 12 aos 21, porém, deixou os cuidados de lado.“Enquanto a minha mãe teve o domínio sobre mim e administrou a dieta, deu tudo certo. Na adolescência, passei a comer muito doce e descuidar da alimentação. Descompensei completamente”, conta Ribeiro.
Aos 21 anos, uma desidratação a levou à UTI. “Via as pessoas entrarem vivas e saírem mortas. Foi tão impactante que quando tive alta voltei a viver corretamente, mas o tempo que fiz tudo errado estava perdido”, conta. Um ano depois, a retinopatia diabética proliferativa acometeu seus dois olhos. Depois, vieram outros diagnósticos, como descolamento da retina, glaucoma e cicatrização hipertrófica.
Cega do olho esquerdo e com 8% de visão no direito, Jenifer lutou contra uma aposentadoria por invalidez aos 25 anos, prestou concurso e entrou para a Secretaria de Esportes de Santos (72 km de SP).
Atualmente, ela trabalha na Escola Radical de Surfe Adaptado de Santos, coordenada por Cisco Araña, campeão paulista e brasileiro de surfe, onde também é aluna.
Desde os 25 anos, Jenifer tem insuficiência renal crônica: seus rins funcionam com 35% da capacidade. Para receber órgãos novos, esse índice teria que estar em 15% e a paciente ser dependente de hemodiálise. Ninguém da sua família pode ser doador e Jenifer teria dificuldade para realizar hemodiálise. Os pulmões também foram acometidos pelo diabetes e têm hoje 60% de função.
“Eu me arrependo muito de ter subestimado, negligenciado e não ter aceitado a doença. Se tivesse descoberto hoje, não teria visto com tanta rebeldia, porque o tratamento está mais fácil. A qualidade de vida para uma pessoa diabética nem se compara com 30 anos atrás”, afirma. “Eu vivo de esperança. Quando perdi a visão, quis morrer, mas eu falei que é preciso ter fé em Deus. É um dia após o outro.”
Para ajudar quem convive com o diabetes, Jenifer escreveu a autobiografia “Vida que Segue”. Em outubro de 2020, a escritora lançou uma vaquinha virtual com a meta de conseguir R$ 25 mil para a publicação do livro. Até esta segunda (16), haviam sido arrecadados R$ 3.455.
Fontes: https://www1.folha.uol.com.br/