Telemedicina continuará a se expandir após a pandemia, diz especialista americano
Tecnologia se popularizou e deve ser aprimorada de acordo com as necessidades e condições de saúde, diz Greg Caressi, vice-presidente da consultoria Frost & Sullivan
A pandemia de Covid-19 mexeu com as estruturas do atendimento em saúde em todo o mundo. Para conter o avanço do coronavírus, recursos digitais, como a telemedicina, tiveram de ser adotados por operadoras de saúde, serviços públicos e médicos particulares, deixando de lado um padrão de ver com certa desconfiança o atendimento a distância.
Somente no Brasil, houve um aumento de mais de 800% no uso da telemedicina nos seis primeiros dias da pandemia, segundo pesquisa publicada na revista cientifica Plos One em julho deste ano. “Esse dado mostrou que o país seguiu uma tendência que foi vista em praticamente todo o mundo globalizado e que ajudou a alavancar o uso da tecnologia no setor”, disse à CNN o economista norte-americano Greg Caressi, vice-presidente da Frost & Sullivan, uma das cinco mais importantes consultorias em saúde do mundo.
“Com essa expansão da demanda por soluções de telemedicina e telessaúde, o mercado de saúde digital provavelmente avançou algo em torno de dois a cinco anos a mais do que esperávamos antes da pandemia”, disse o executivo que estuda o mercado brasileiro e na semana passada participou da 2ª Digital Journey by Hospitalar, evento online, voltado ao mercado latino-americano.
Em entrevista exclusiva à CNN, Caressi faz um panorama do uso de recursos de digitais no setor de saúde durante a pandemia de Covid-19, fala do aumento da demanda por ferramentas e serviços digitais e do legado desse uso para um mundo pós-pandêmico.
CNN: Quais são os desafios do setor de saúde digital no pós-pandemia do ponto de vista do atendimento em saúde?
Caressi: Há vários desafios. Um deles é a queda de receita dos compradores de soluções digitais de saúde, devido à pandemia de Covid-19. Como as organizações de saúde e os hospitais têm menos dinheiro para gastar, eles terão que ser mais seletivos quanto às novas soluções on-line. Além disso, muitas empresas de saúde digital são relativamente pequenas e tiveram que escalar rapidamente para muitos clientes, o que se tornou um desafio.
Outra coisa será ter certeza de que essas empresas realmente poderão prover sua tecnologia tanto no longo quanto no curto prazo. E vai ser uma avaliação diferente do momento de emergência da Covid-19, até vermos se isso realmente funciona a longo prazo no sentido clínico, no sentido da experiência do usuário, bem como no sentido monetário. Houve muito dinheiro investido no setor de saúde digital no último ano e meio. E isso criou muitas oportunidades. Mas as empresas precisam se fortalecer um pouco mais para ter sucesso no longo prazo.
Como você dividiria estes desafios nos países ricos, em desenvolvimento e nos mais pobres?
De certa forma, é possível argumentar que os países em desenvolvimento podem se beneficiar mais da telemedicina do que os desenvolvidos. Os primeiros têm mais desafios em relação ao acesso a bons cuidados médicos, como pessoas em áreas remotas ou rurais. Embora isso aconteça mesmo nos Estados Unidos, pois somos um país imenso. Temos um bom sistema de saúde, mas, as pessoas em áreas rurais ainda precisam viajar longas distâncias para poder ver um médico.
Mas certamente há um benefício maior em mercados em desenvolvimento, onde há escassez de médicos, e os hospitais tendem a estar localizados nas grandes cidades. Para esses países, a telessaúde é uma importante maneira de poder atender às necessidades de acesso à saúde da população em geral.
O outro desafio é ter uma infraestrutura que permite conectividade e acesso à internet para atendimentos virtuais. Mas a telessaúde não requer um vídeo em todos os casos. Também pode ser realizada por telefone ou ferramentas de chat, por exemplo. Há uma variedade de soluções que pode atender às necessidades de diferentes tipos de mercado.
Na sua opinião, a pandemia ajudou a popularizar o teleatendimento e a telemedicina e acelerar o formato?
Claro. Definitivamente, a Covid-19 criou uma enorme demanda por telemedicina, interações de telessaúde de vários tipos, consultas virtuais, usando vídeo, telefone ou bots de bate-papo para ajudar a determinar sintomas, fazer triagem, rastrear pacientes com Covid-19 e com doenças crônicas. Houve uma grande expansão de soluções de telemedicina e de telessaúde. Provavelmente, o mercado avançou algo em torno de dois a cinco anos a mais do que esperávamos.
O que essa popularização trouxe para a experiência do paciente?
O teleatendimento criou oportunidades para pacientes que viviam em locais remotos, que tinham dificuldade de acesso aos serviços de cuidados básicos de saúde. Mas, certamente, a telemedicina também foi eficaz no acesso a médicos e serviços de saúde avançados ou especializados.
Fazer consultas por teleatendimento passou a ser muito mais conveniente, permitindo que pais tivessem mais capacidade de acessar serviços médicos para seus filhos de forma mais rápida, por exemplo. Esse fator de conveniência tem sido positivo para a experiência do usuário.
Tem havido alguma perda da interação cara a cara, porque a confiança é importante, especialmente em atendimentos de longo prazo. Então, eu acho que é preciso olhar para a segmentação dos pacientes de uma maneira um pouco diferente. Há os que podem se beneficiar mais da conveniência, enquanto outros estão mais dispostos a ir a uma consulta presencial, para ter um relacionamento mais estreito com o médico.
Algum país se destaca mais na implementação de elementos da saúde digital do que outros?
Acho que, de várias maneiras, os países reagiram da mesma forma durante a pandemia de Covid-19. Na maioria havia regras muito restritivas em torno da telessaúde, como nos países da Europa e no Brasil. Mas em todos esses países eu percebi que a telessaúde pôde fazer o papel de criar uma interface entre os pacientes e os médicos, que reduziu o risco de contrair Covid-19 que existia em uma consulta presencial.
Muitos países reagiram de forma semelhante, flexibilizando os regulamentos, incentivando o uso da telessaúde, aumentando ou passando a oferecer reembolsos para telessaúde, o que era importante para ajudar os hospitais. E os médicos também mantiveram uma fonte de renda durante a pandemia.
Como o senhor vê o uso da telemedicina no Brasil?
Eu acho que o Brasil tomou as ações necessárias durante a pandemia e certamente relaxou as regras de telessaúde permitidas para seu uso. Com isso, vimos um incremento exponencial da telemedicina no Brasil. Muito parecido com o que vimos nos EUA e em outros mercados desenvolvidos. Sempre houve oposição dos médicos brasileiros à telessaúde. E isso obviamente teve que ser quebrado e provavelmente não teria acontecido sem a Covid-19.
Os médicos perceberam que essa era a única maneira de ver os pacientes na pandemia, então mudaram imediatamente. Agora que eles têm a experiência com a telemedicina, tanto para o lado do paciente quanto para o lado do médico, vai ser um pouco mais difícil mudar isso. Eu penso, como se costuma dizer, que você não pode colocar o gênio de volta na lâmpada. As pessoas foram expostas a essas soluções e gostaram delas. Acredito que uso dessas ferramentas vai se expandir mesmo depois da pandemia.
No Brasil, antes da pandemia, havia uma discussão sobre se o teleatendimento poderia ser prejudicial à prática médica e ao diagnóstico. Essa questão deve ser levada em conta ainda?
Eu conversei sobre isso com um médico no Brasil em 2017. Perguntei a ele: “se você vê um paciente uma vez a cada três meses presencialmente, e eu te dissesse que você poderia vê-lo uma vez por mês, por meio de uma solução de telessaúde, de que maneira você poderia acompanhar melhor o paciente?”.
O valor da telessaúde é que ela dá acesso a cuidados médicos a pessoas que às vezes não são diagnosticadas até que seja tarde demais. E para aqueles que têm condições crônicas, como problemas cardíacos e diabetes, ir ao médico uma vez a cada três meses realmente não é o caminho ideal. Eles vão correr um risco maior de saúde em um mês ou em três meses?
Quais recursos de saúde digital o período de pandemia deixará de herança para a população mundial?
Acho que os médicos deveriam perceber, e provavelmente a maioria deles percebe agora, que com a telessaúde, aumenta sua base de dados sobre o paciente. E isso é um benefício para o diagnóstico e para o tratamento, embora também haja riscos na telessaúde.
Há benefícios, especialmente na triagem, na decisão para uma intervenção e com que frequência isso deve ser feito. Só temos que ser mais maduros, talvez, na forma como usamos as ferramentas. Não é que a telessaúde se adapte a todas as necessidades de cada pessoa, mas podemos começar a dizer quais são os casos certos para as ferramentas certas, sejam elas bots de bate-papo para fazer triagem de pessoas, sejam atendimentos virtuais, seja apenas uma ligação telefônica com um médico.
Qual será o legado da saúde digital após a pandemia?
Experimentamos soluções que nunca usamos antes. E isso tem nos ajudado a entender como usar melhor essas ferramentas e o que elas podem fazer. Portanto, avançamos nesses mercados. Mas temos que aprender e entender qual é o valor real do atendimento médico virtual. Qual é o valor disso em atendimentos de longo prazo? Essas soluções podem ser ampliadas? Quando devemos usá-las? Quando não devemos? Temos que ser mais seletivos e ter uma abordagem mais disciplinada para avaliar as soluções também.
Quais as perspectivas para o futuro da saúde digital no pós-pandemia?
Para ser honesto, é preciso apenas dinheiro. E os governos, investidores e hospitais injetaram muito dinheiro na saúde digital. O que realmente precisamos pensar agora é na mudança de cultura dentro do sistema de saúde e no lado do paciente. É essa mudança de cultura que pode realmente decidir o que acontecerá com a saúde digital nos próximos cinco anos, não apenas a parte da tecnologia.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br