Cientistas brasileiros descobrem por que fumantes têm maior risco de fraturas e doenças nos ossos
Pesquisadores da USP mostram que cigarro altera metabolismo das células ósseas, deixando estruturas mais frágeis
Para além dos conhecidos danos do tabagismo aos pulmões, o cigarro também afeta significativamente outra parte importante do nosso corpo: os ossos e demais estruturas do sistema musculoesquelético. Estudos clínicos geralmente conduzidos por pesquisadores do campo da ortopedia já demonstravam há décadas que os fumantes sofrem mais fraturas e têm maior dificuldade de recuperação óssea. Mas, até pouco tempo atrás, a ciência ainda não entendia como as substâncias tóxicas do cigarro eram capazes de deixar os ossos mais frágeis.
Em uma série de estudos publicados ao longo dos últimos quatro anos, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) começou a fornecer essas respostas. “Ortopedistas me procuravam querendo entender por que os ossos dos fumantes quebram tanto. Estudos anteriores já mostravam que os ossos dessas pessoas são mais porosos, mas não víamos trabalhos estudando a fundo esses tecidos”, diz Fernanda Degobbi T. Q. S. Lopes, pesquisadora sênior do Instituto dos Laboratórios de Investigação Médica (LIM) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Ela coordena uma equipe de 11 cientistas, entre biólogos, médicos e biomédicos, que estudam a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e danos extrapulmonares do tabagismo. Em quatro artigos científicos publicados entre 2020 e 2023, os pesquisadores brasileiros revelaram, por exemplo, que a exposição ao fumo leva à morte mais rápida dos osteoblastos, células responsáveis pela produção da matriz óssea, rica em colágeno do tipo 1, proteína que dá resistência aos ossos.
A descoberta ocorreu em estudo experimental com camundongos e foi confirmada em estudo clínico que analisou tecidos ósseos de pacientes submetidos à artroplastia de quadril, cirurgia para colocação de prótese nessa região.
Os cientistas descobriram ainda que, em paralelo, o cigarro deixa mais ativo outro grupo de células com nome parecido — osteoclastos —, mas que têm função muito diferente. Elas são responsáveis pela desintegração e reabsorção do tecido ósseo, processo natural e necessário para a renovação e remodelação dessas estruturas. O problema é que, com osteoblastos em menor número e osteoclastos mais ativos, há um desequilíbrio nesse processo.
“O tabagismo, portanto, altera o metabolismo das células. As células que ‘comem’ osso (osteoclastos) vão comer muito mais osso, enquanto as que produzem o colágeno tipo 1 (osteoblastos) ficam menos ativas”, simplifica Fernanda, que também é professora livre docente pelo Departamento de Patologia da FMUSP.
As investigações do grupo revelaram ainda que as alterações estruturais do tecido ósseo ocorrem também graças a um processo inflamatório causado pela exposição à fumaça do cigarro. Outro achado foi que, mesmo em pacientes que largaram o tabaco há mais de uma década, parte do dano permanece.
“Eles até recuperam o volume de osso, fazem mais massa óssea, mas com uma qualidade ruim. A matriz está melhor do que a dos fumantes, mas ainda mais fragilizada se comparada com a de alguém que nunca fumou”, explica Fernanda.
Além dos danos bem documentados do tabagismo aos ossos, o grupo de pesquisadores informou que resultados preliminares de um estudo em andamento demonstrou que o fumo também causa danos às cartilagens das articulações. A pesquisa verificou que a exposição às substâncias tóxicas do cigarro aumenta a morte dos condrócitos, tipo de célula responsável pela liberação de colágeno tipo 2, componente principal do tecido cartilaginoso das articulações.
Fumantes têm maior risco de fraturas e osteoporose
Todo o processo de degradação do tecido ósseo demonstrado pelos cientistas da USP leva a um risco aumentado de problemas como fraturas, osteoporose, entre outras complicações. Um estudo publicado no periódico Bone & Joint Research em 2019 revisou uma série de pesquisas que avaliaram os danos do tabagismo aos ossos.
Os dados compilados mostram, por exemplo, que os fumantes têm um risco 25% maior de sofrer uma fratura e que demoram, em média, quatro semanas a mais na recuperação de um osso quebrado.
“Os fumantes não só têm maior risco de fraturas como maior dificuldade de regeneração dos ossos após uma fratura”, explica Marco Aurélio Neves, ortopedista especialista em cirurgia de quadril e joelho e doutorando do mesmo laboratório do HC-FMUSP.
Tabagistas também têm maior risco de desenvolver osteoporose, e o cenário fica ainda mais perigoso para populações como idosos e mulheres na pós-menopausa, que, por outros fatores, já têm um risco aumentado de problemas ósseos.
Mesmo que o dano causado pelo cigarro nos ossos não seja totalmente reversível, os médicos alertam que a melhor opção é buscar ajuda para largar o cigarro. O tabaco, além de causar fragilidade óssea, aumenta o risco de problemas como DPOC, câncer de pulmão e outros tipos de tumores, infarto e acidente vascular cerebral.
Fonte: https://www.estadao.com.br