Devemos começar as refeições pelos vegetais; confira o porquê
Um número crescente de estudos tem revelado que a ordem de consumo dos alimentos tem relação íntima com a saúde
Cientistas descobriram que não é apenas o tipo dos alimentos que você ingere que pode influenciar sua saúde e seu metabolismo, mas também a ordem em que você os ingere.
Um número crescente de estudos revelou que comer vegetais ricos em fibras, proteínas ou gordura no início da refeição, e comer carboidratos refinados como arroz, pão ou macarrão por último, pode melhorar os níveis de açúcar no sangue e estimular níveis mais elevados de hormônios que promovem a saciedade. Alguns estudos preliminares sugerem que a prática pode até ajudar na perda de peso.
Essa estratégia, conhecida como ordem dos alimentos ou sequência das refeições, vai contra a forma como as pessoas costumam comer. Ela sugere que é melhor pegar a cesta de pães ou as batatas fritas no final da refeição, em vez de comer esses alimentos ricos em carboidratos e pobres em fibras logo no começo.
Os estudos recentes sobre sequenciamento de alimentos têm sido pequenos, mas rigorosos. Eles descobriram que começar as refeições com vegetais ricos em proteínas, gorduras ou fibras – em vez de carboidratos de alto índice glicêmico, que aumentam os níveis de açúcar no sangue – tende a desacelerar o processo digestivo. Isso reduz a velocidade com que os alimentos saem do estômago e entram no intestino delgado, um processo conhecido como esvaziamento gástrico, o que dá sensação de saciedade por mais tempo.
“Não estamos pedindo que as pessoas jejuem, pulem refeições ou evitem tipos específicos de alimentos”, disse Domenico Tricó, professor assistente da Universidade de Pisa, na Itália, que estuda nutrição e diabetes. “Estamos só dizendo: por favor, comam alimentos com baixo índice glicêmico no início da refeição e deixem o resto para o final”.
Os estudos contribuem para uma mudança crescente na forma como os pesquisadores da nutrição pensam sobre os alimentos e o seu impacto na nossa saúde. Eles estão descobrindo que, além dos nutrientes e das calorias, existem muitos outros fatores que importam, como o grau de processamento dos alimentos, a hora do dia em que os comemos e exatamente como os consumimos.
Estudos mostram que comer vegetais primeiro pode fazer com que o corpo secrete níveis mais elevados de GLP-1, um hormônio da saciedade que nosso intestino libera em resposta às refeições. (GLP-1 é o mesmo hormônio que os medicamentos para diabetes e perda de peso Wegovy e Ozempic foram projetados para imitar). Essa estratégia também pode ajudar a prevenir elevações grandes e sustentadas nos níveis de açúcar no sangue após as refeições, sugerem alguns estudos.
Os pesquisadores descobriram que começar cada refeição com vegetais ou proteínas pode ser particularmente útil para melhorar o controle do açúcar no sangue em pessoas com diabetes tipo 2 ou pré-diabetes, um quadro precursor que aumenta o risco de a pessoa desenvolver a doença.
Em um estudo realizado no Japão, onde o arroz é alimento básico, os pesquisadores descobriram que as pessoas com diabetes tipo 2 que foram instruídas a comer vegetais antes dos carboidratos em todas as refeições durante um período de dois anos tiveram maiores melhorias no controle do açúcar no sangue a longo prazo, em comparação com um grupo de controle.
Em outros estudos, o endocrinologista Daisuke Yabe analisou o que acontecia quando adultos saudáveis e pessoas com diabetes tipo 2 comiam arroz branco, peixe e carne, mas em ordens diferentes e em ocasiões diferentes. Ele descobriu que as pessoas produziam níveis mais elevados de hormônios da saciedade e apresentavam picos menores nos níveis de açúcar no sangue. Elas também tiveram uma taxa de digestão significativamente mais lenta quando foram instruídas a comer primeiro as porções de peixe ou carne, deixando o arroz por último, em comparação com comer o arroz primeiro.
“Foi muito impressionante para nós”, disse Yabe, professor e presidente do departamento de diabetes, endocrinologia e metabolismo da Escola de Pós-Graduação em Medicina da Universidade de Gifu, no Japão. “Você come os mesmos alimentos, mas muda a sequência das refeições, e a secreção de GLP-1 aumenta”.
Tricó, o pesquisador da Universidade de Pisa, disse que não existe uma abordagem única para a dieta. Mas demonstrou em vários estudos que a ordem dos alimentos tem efeitos surpreendentes sobre o açúcar no sangue e os níveis hormonais.
Ele recomenda a prática a seus pacientes com diabetes, obesidade e outras doenças metabólicas porque é relativamente simples de seguir e não requer mudança radical na dieta. “Essa estratégia geralmente é bem aceita”, disse ele.
Os especialistas em nutrição dizem que você não deve se preocupar com todas as refeições e que comer alimentos de que você gosta é uma parte importante da vida. Mas, se você tem o costume de comer alimentos com alto índice glicêmico (carboidratos refinados como pão branco, macarrão e alimentos açucarados), há coisas que você pode fazer para mitigar seus efeitos na saúde metabólica. Para algumas pessoas, isso pode significar a incorporação de alguns elementos da estratégia de sequenciamento alimentar e a tentativa de reduzir carboidratos refinados.
- Coma nozes primeiro: Tente comer um punhado de amêndoas, que contêm fibras e gorduras saudáveis, antes de comer um bagel ou muffin no café da manhã. Um estudo descobriu que as pessoas que foram designadas para comer cerca de 20 gramas de amêndoas (menos de um punhado) antes das refeições diárias durante 16 semanas reduziram significativamente a gordura corporal, incluindo a perigosa gordura visceral que envolve os órgãos internos, em comparação com um grupo de controle. Outro estudo descobriu que comer um “aperitivo” ou uma “pré-lanche” de amêndoa (cerca de 12 amêndoas) antes das refeições melhorou as respostas de açúcar no sangue em pessoas com pré-diabetes.
- Comece com uma salada temperada com azeite: Se você for comer carboidratos rápidos no almoço ou no jantar (como macarrão ou sanduíche de peru com pão branco), faça um pré-lanche com uma salada. Ela contém gorduras e fibras saudáveis para o coração, que podem retardar a digestão, melhorar os níveis de açúcar no sangue e promover a saciedade. “Você vai acabar comendo uma porção menor de macarrão porque terá menos fome”, disse Tricó.
- Coma os vegetais e a proteína primeiro: Em um pequeno estudo publicado na revista Clinical Nutrition, pesquisadores descobriram que, quando as pessoas eram alimentadas com refeições de frango, vegetais e arroz branco, produziam níveis elevados de hormônios de saciedade e tinham elevações menores e mais graduais do açúcar no sangue em comparação com quando comiam os mesmos alimentos misturados ou em ordens diferentes.
- Limite a ingestão de alimentos com alto índice glicêmico: Isso não significa que você nunca deva comer batata frita, pão branco ou purê de batatas, disse Mario Kratz, ex-pesquisador clínico do Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle, e fundador do Nourished by Science, um site que promove nutrição baseada em evidências para a prevenção de doenças crônicas. Mas, idealmente, eles não deveriam fazer parte de suas refeições diárias. “Na maioria dos casos, não são alimentos nutricionalmente valiosos”, acrescentou.
- Não coma carboidratos “puros”: Estes são carboidratos simples consumidos com pouca ou nenhuma gordura, proteína ou fibra. Alguns exemplos seriam torradas com geleia, um prato de biscoitos ou tortilhas ou uma tigela de cereal matinal açucarado com leite desnatado. Como esses alimentos são absorvidos e digeridos rapidamente, podem fazer com que o açúcar no sangue suba e desça, criando um ciclo de fome e insaciedade. Idealmente, é melhor combinar esses alimentos com gorduras, proteínas e fibras saudáveis. Você pode fazer isso, por exemplo, espalhando manteiga de amendoim na torrada, comendo biscoitos com queijo e amêndoas ou mergulhando a batatinha frita no guacamole.
Christiani Jeyakumar Henry, professor de bioquímica na Universidade Nacional de Singapura, disse que a estratégia de comer vegetais antes dos carboidratos refinados pode ser particularmente útil em países com taxas crescentes de diabetes.
“Para cada diabético em qualquer lugar do mundo, há dois ou três pré-diabéticos não diagnosticados a caminho de se tornarem diabéticos se não controlarem os níveis de glicose no sangue”, disse ele.
Kratz alertou que a estratégia “carboidratos por último” nem sempre é prática, mas a maioria das pessoas pode combinar carboidratos simples com gorduras, proteínas ou fibras saudáveis.
“Você não precisa ficar totalmente obcecado porque, se fizer isso, acabará cortando todos os carboidratos”, disse Kratz. “A chave é encontrar maneiras de modificar um pouco suas refeições para que continuem sendo culturalmente aceitáveis e, ao mesmo tempo, reduzam a quantidade de carboidratos puros. Acho que, para a maioria das pessoas, este é o caminho”.
Fonte: https://www.estadao.com.br