É obesidade infantil?
Entenda como reconhecer o problema e as estratégias efetivas para a sua reversão
A obesidade infantil é um problema de saúde e vai muito além de um número na balança: a avaliação da obesidade infantil precisa considerar outros fatores, como acesso à alimentos saudáveis, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, entre outros. A boa notícia é que esse quadro pode ser revertido com cuidado adequado, que envolve, dentre outros aspectos, uma alimentação saudável aliada a uma vida ativa fisicamente.
Segundo Jonas Augusto Cardoso da Silveira, que é Professor no Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a classificação do excesso de peso acontece depois que a criança interrompe o aleitamento materno exclusivo. Sendo assim, ele reforça que antes dos seis meses não se fala em sobrepeso e obesidade porque o leite da mãe corresponde à melhor prática alimentar que a criança pode ter acesso. A partir desse período, quando começa a introdução da alimentação complementar, alguns parâmetros, definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), são utilizados para classificar o estado nutricional infantil.
Esses parâmetros descrevem diversas trajetórias do desenvolvimento infantil que podem ser consideradas saudáveis ou não para uma criança. Do ponto de vista mais técnico, essas são as chamadas curvas de crescimento que foram estabelecidas pela OMS para acompanhar o crescimento e o estado nutricional das crianças. Esses dados são obtidos a partir de cálculos que levam em consideração a idade e variáveis como peso e altura.
Para facilitar o acompanhamento, tanto pelos pais quanto pelos profissionais da saúde, esses indicadores estão disponíveis na própria Caderneta de Saúde da Criança: peso para idade, estatura para idade e Índice de Massa Corpórea (IMC) para idade. O IMC pode ser calculado dividindo o peso pelo quadrado da altura, e tem um importante papel de referência para considerar se o peso corporal está proporcional à altura. A partir desses parâmetros, é possível avaliar o diagnóstico do excesso de peso e, consequentemente, da obesidade.
Parâmetros para a infância
O Índice de Massa Corporal é muito conhecido entre os adultos, mas para crianças o cálculo é diferente. Por esse motivo, o professor salienta que os pontos de corte do IMC para adultos não são aplicáveis para as crianças. “Eles não chegam nem perto para corresponder a um parâmetro de classificação do estado nutricional de crianças”, alerta.
Então na prática, a avaliação é feita da seguinte forma: o profissional de saúde mensura o peso e a estatura da criança e marca os valores na curva de crescimento e desenvolvimento, observa a classificação indicada, que mostrará se o peso está adequado ou não para aquela fase de desenvolvimento. Observar os parâmetros para a faixa etária é fundamental, pois eles mudam conforme a criança vai ficando mais velha.
Todas as informações coletadas ao longo das visitas periódicas ao serviço de saúde são anotadas nos gráficos localizados nas páginas da Caderneta de Saúde da Criança. A importância de ter esses dados em períodos diferentes, mas ao mesmo tempo constante, é justamente porque o acompanhamento permite a elaboração de uma estratégia de cuidado individual. Sendo assim, a curva de crescimento e desenvolvimento ajuda na identificação de riscos, planejamento de intervenções, execução e monitoramento de todas as ações necessárias e que foram implementadas.
Em outras palavras, essa marcação faz toda a diferença para que tanto a família e/ou responsáveis quanto os profissionais de saúde possam reconhecer se essa trajetória de ganho de peso está dentro das faixas de normalidade. Se não estiver, é possível antecipar e gerenciar os cuidados para que a criança volte para a curva esperada.
Por isso, para entender mais sobre o diagnóstico do estado nutricional, Jonas explica que o acompanhamento longitudinal da criança é também um parâmetro muito importante. Com um diagnóstico fechado, baseado em uma classificação fixa, não é possível observar a trajetória desse ganho de peso.
“Quando acompanhada de forma longitudinal, é possível notar que essa criança começa a apresentar uma trajetória ascendente do ganho de peso. É esperado que toda criança ganhe peso, elas estão no período de crescimento e desenvolvimento. O problema emerge quando esse ganho de peso é acima do esperado. Quando a trajetória é ascendente e começa a ser perceptível que ela não se mantém dentro do seu canal de crescimento”, afirma o docente.
Entendendo os gráficos
Segundo descrito na Caderneta de Saúde da Criança, o crescimento individual dos pequenos pode ter uma grande variação. Várias medidas de crescimento colocadas como pontos no gráfico ao longo do tempo e unidas entre si formam uma linha. Essa linha representa o crescimento da criança, ou seja: sua curva de crescimento, que sinaliza se a criança está crescendo adequadamente ou não.
Para facilitar a visualização, cada elemento disponível nos gráficos são ilustrados, por meio de fotos, na Caderneta. Basta buscar a partir da página 52. Além disso, nesta mesma seção, estão as orientações de como calcular o IMC da criança, bem como as instruções para preencher e interpretar a tabela.
Acesse a caderneta da criança para menino e menina.
O que facilita o ganho de peso fora do esperado?
Não existe uma regra que determina o ganho de peso da criança. Segundo Jonas, observa-se que a introdução precoce dos alimentos ultraprocessados é um fator de risco independentemente da frequência do consumo, basta que estejam presentes na rotina alimentar. Além de hipercalóricos, alteram os mecanismos de saciedade do organismo, influenciando um consumo exagerado.
“É altamente desaconselhado que a criança receba alimentos ultraprocessados nos seus primeiros meses e até os primeiros dois anos de vida, conforme descrito de maneira bem categórica no Guia Alimentar Para Crianças Brasileiras Menores de 02 anos. Segundo estudos, a introdução desses alimentos tem se mostrado cada vez mais precoce, configurando um fator de risco importante para o ganho excessivo de peso das crianças”, alerta.
A interrupção precoce do aleitamento materno também é prejudicial nesse sentido. Isso porque o leite materno é capaz de proteger o bebê de diversas doenças, tanto durante os seus primeiros meses de vida quanto no futuro, prevenindo enfermidades e condições como asma, diabetes e a própria obesidade, conforme explica o Guia Alimentar Para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos, uma publicação do Ministério da Saúde.
O professor acrescenta ainda que a composição do leite materno é modulada exatamente a partir das necessidades da criança. Dito isso, não existe outro alimento, ou fórmula infantil, que chegue perto das capacidades dele em relação à alimentação e nutrição. Do ponto de vista de comportamento, o leite materno tem ainda um outro benefício importante que é ligado à capacidade de autorregulação da saciedade e percepção de fome. Crianças amamentadas por mais tempo são mais responsivas aos sinais de saciedade no período em que começam a receber alimentos sólidos.
É aí que entra o papel importante do ambiente oferecer boas opções. Afinal, quando a criança deixa de ser amamentada, ela vai se alimentar daquilo que está disponível ao seu redor. Portanto, as escolhas e as oportunidades de acesso, tanto para eles quanto para os pequenos, devem ser feitas tendo como base os alimentos in natura e minimamente processados.
Segundo orienta o Guia Alimentar Para Crianças Menores de 02 anos, a presença de uma criança é até mesmo uma chance para a família se alimentar melhor. Isso porque preparar a mesma comida para todos, com alimentos in natura ou minimamente processados, sem excesso de gordura, sal e condimentos, agiliza o dia a dia na cozinha e é uma oportunidade de oferecer alimentação adequada e saudável à família e à criança
Somado a isso, o Guia reforça que o ambiente acolhedor, tranquilo e a boa relação entre a criança e as pessoas que cuidam dela podem influenciar de forma positiva na aceitação dos alimentos e preparações. Se ela percebe que a família gosta de comer alimentos saudáveis, ficará estimulada a aceitá-los.
O exemplo também serve como inspiração para os pequenos. Além do consumo de alimentos ultraprocessados e da interrupção precoce do aleitamento materno, o excesso de tempo despendido em comportamentos sedentários, como aqueles que envolvem o uso de telas (TV, computador, celular, etc.) e a inatividade física são fatores que contribuem para o ganho de peso. Assim, é importante que pais e responsáveis limitem o tempo em que as crianças permanecem assistindo a TV ou usando o celular e que estimulem a prática de atividade física por meio de brincadeiras, jogos e atividades ao livre, por exemplo.
O papel de quem cuida da criança
As pessoas que convivem com as crianças exercem uma função muito importante. E não é só a família, mas também os cuidadores, profissionais da saúde, professores. Enfim, toda a comunidade. Essas pessoas servem de exemplo e também contribuem para o desenvolvimento da criança. Por isso, algumas práticas precisam ser revistas por parte desses adultos para evitar o surgimento de comportamentos alimentares não saudáveis. Um deles, talvez até o mais comum, é o hábito de insistir para que as crianças comam além do que desejam.
Segundo Jonas, a história de limpar o prato ou de comer só mais uma colherada é o primeiro passo para começar a fragilizar a capacidade da criança de responder aos sinais de saciedade. Com isso, ela deixa de ouvir o próprio corpo sobre estar satisfeita ou não. Mas o contrário também é prejudicial, como mandar parar de comer ou fiscalizar demais. Quando feito sem orientação adequada, pode fazer com que a criança passe a comer escondido, alerta o nutricionista.
Outro aspecto prejudicial é estabelecer um mecanismo de punição e recompensa utilizando a comida, fazendo com que ela vire moeda de troca ou fonte de sofrimento, ressalta o profissional. Essa conduta também pode desenvolver o costume de superar os problemas emocionais e afetivos com a “ajuda” da comida, gerando impactos na formação dos hábitos alimentares e, consequentemente, no aparecimento e desenvolvimento de sobrepeso ou obesidade.
Veja também – Obesidade Infantil: como prevenir desde cedo
Outros cuidados fundamentais
Ainda no âmbito do comportamento alimentar, Jonas ressalta a importância da relação que pais, familiares ou cuidadores têm com a imagem corporal. Estigmatizar a obesidade dentro de casa com comentários pejorativos e reforçar padrões estéticos desde cedo gera na criança uma norma social e uma forma de pensar sobre o corpo. Isso prejudica a sua relação com a alimentação e o corpo propriamente dito, podendo servir de gatilho para o desenvolvimento de transtornos alimentares.
E essa é uma conta que fecha cada vez menos, já que somos a todo tempo bombardeados com incentivos para uma alimentação que não é saudável, focada nos ultraprocessados. De um modo geral, vivemos em um ambiente que produz a doença e favorece o seu desenvolvimento, tanto por meio da alimentação quanto por não favorecer uma vida ativa fisicamente e estimular comportamentos sedentários.
Além disso, o profissional da nutrição lembra que o acúmulo de gordura corporal acontece por meio de um balanço energético entre o consumo e o gasto. Para uma criança que só no lanche come um pacote de bolacha recheada, por exemplo, essa ingestão de caloria vai ser muito superior ao esperado, principalmente levando em consideração que essa é apenas uma refeição dentre todas do dia. Quando vai se somando ao consumo diário outros alimentos ultraprocessados e igualmente calóricos, essa conta fica cada vez mais difícil de ser compensada com atividades físicas.
Segundo o Guia Alimentar Para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos, a prevalência de obesidade infantil cresce a cada ano no Brasil, sendo fundamental que todas e todos protejam as crianças e evitem o ganho de peso excessivo, com consequente desenvolvimento, na fase adulta, de doenças crônicas relacionadas à obesidade. Sem falar na permanência do excesso de peso mesmo no futuro.
Três guias para auxiliar a prevenção da obesidade infantil e a promoção da saúde
O caminho mais seguro, saudável e sustentável para prevenir e deter o avanço da obesidade infantil é aliar uma alimentação saudável à prática regular de atividade física. Nesse sentido, três publicações do Ministério da Saúde podem colaborar de maneira decisiva para a adoção de hábitos e rotinas mais saudáveis:
- O Guia Alimentar Para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos, que traz orientações nutricionais para o início da primeira infância;
- O Guia Alimentar para a População Brasileira, que pode inspirar toda a família a se alimentar de maneira saudável;
- E o novo Guia de Atividade Física Para a População Brasileira, que contempla práticas para uma vida ativa fisicamente adequadas à infância e também aborda a importância da educação física escolar.
Fonte: https://www.gov.br/saude