Fiocruz e UFRJ lançam sistema para identificar início de novos surtos
Trabalho foi apresentado nesta quarta-feira no Rio de Janeiro
Um sistema idealizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para identificar o começo de novos surtos de doenças infecciosas foi lançado hoje (14) no Rio de Janeiro. Através do cruzamento de dados por meio de um processo de modelagem elaborado por engenheiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele emite sinais sobre locais que reúnem indícios do início de um cenário de preocupação sanitária, tornando possível a adoção de medidas em tempo hábil para evitar ou reduzir novos contágios.
Batizado de Sistema de Alerta Precoce para Surtos com Potencial Epi-Pandêmico (Aesop), seu lançamento ocorreu durante a 6ª Conferência Global de Ciência, Tecnologia e Inovação (G-Stic). Segundo o pesquisador da Fiocruz e coordenador do projeto, Manoel Barral-Netto, para evitar novas emergências sanitárias é preciso detectar os seus sinais de forma mais precoce possível. Ele diz que o sistema tem potencial para identificar surtos de doenças novas ou já conhecidas.
“Na vigilância em saúde, devemos agir rapidamente porque, se você perder tempo, você perde a oportunidade de proteger as pessoas. Atualmente, já existem vários mapas de riscos que indicam potenciais locais onde um surto pode acontecer. Nós queremos ir além. Queremos identificar os primeiros momentos do início do surto. Se a gente conseguir ganhar 15 dias, já é um tempo enorme para tomar as medidas necessárias e impedir que a doença se espalhe muito. Em alguns aspectos, ganhamos até 30 dias”, disse.
Segundo pesquisador, a pandemia de covid-19 pressionou ainda mais o mundo a avançar em soluções para ampliar a vigilância em torno das doenças infecciosas. Ele acredita que, futuramente, o Aesop poderá ser usado em outros país. “Ainda não está funcionando. Fizemos um lançamento apresentando os primeiros resultados”. A expectativa é que até o final de 2024 todos os municípios do Brasil estejam sendo monitorados para síndromes respiratórias. Com o tempo, serão dados alertas para outras doenças infecciosas.
O sistema usa dados sanitários, ambientais e sociodemográficos. A maioria deles já é coletada tanto no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) como através de outras instituições ou entidades. São levadas em conta a existência de alguns aspectos nos municípios que podem favorecer a disseminação de algumas doenças: alta densidade demográfica, população idosa ou infantil numerosa, rede de transporte ligando a outra cidade com estas características, etc.
“A ideia é fazer uma mineração de dados para filtrar o que a gente precisa. Por exemplo, suponhamos que uma cidade registra que muita gente tem febre. Isso pode ter muitas causas. Mas cruzando os dados, o sistema aponta que há uma combinação de febre e tosse. Você já começa a ficar mais próximo de algo respiratório. E aí estamos somando outras informações como venda de medicamentos. Está vendendo muita aspirina? Muita dipirona? Está acima do que historicamente a cidade vende para aquele período? É um sinal de alerta adicional”, explica Barral-Netto.
Até mesmo rumores em redes sociais são monitorados. As informações são garimpadas e reorganizadas a partir de uma modelagem científica desenvolvida por meio de inteligência artificial. “Um princípio de um surto emite sinais fracos. Quando os sinais são fortes e evidentes é porque já passou a fase inicial. Então se quisermos identificar quando começa, temos que nos preparar para encontrar os vários sinais fracos. Em conjunto, eles significam algo mais importante”, acrescenta.
Enquanto o conceito do sistema foi projetado pela Fiocruz, o processo de modelagem foi elaborado por engenheiros do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da UFRJ. “Eles têm expertise nesse tipo de trabalho. Já desenvolvem modelagem, por exemplo, para dados climáticos”, diz Barral-Netto. Após a identificação de uma área onde há um possível início de surto, equipes de pesquisa precisam se deslocar para coletar amostras. Elas serão levadas para análise e sequenciamento em laboratórios ligados à rede genômica da Fiocruz, que estão espalhados por todo o país. “Vamos começar nas capitais. Nas áreas remotas, a gente está começando a testar o transporte das amostras com drones”, conta o pesquisador.
Todo o trabalho tem o apoio do Ministério da Saúde e também é resultado de uma parceria com a Fundação Rockefeller, uma associação não governamental com sede nos Estados Unidos que apoia e promove projetos de saúde pública em diversos países do mundo. Segundo Barral-Netto, o projeto foi apresentado à entidade em busca de financiamento, mas as negociações evoluíram para um colaboração científica, o que tem permitido um avanço mais rápido. Enquanto os pesquisadores da Fiocruz se concentram em projetar o sistema para identificar a disseminação de vírus respiratórios, cientistas da Fundação Rockefeller estão desenvolvendo métodos para detectar surtos relacionados a arboviroses, como dengue e zika.