Inteligência artificial pode ler eletrocardiogramas
Meta-Referência: Antônio Horta Ribeiro aplica IA em pesquisas de para otimizar análise de exames cardiológicos
Pesquisadores do projeto Clinical Outcomes in Digital Eletrocardiography (CODE), da Universidade Federal de Minas Gerais, acabam de publicar estudo na Nature Communications, uma das revistas científicas mais importantes no mundo. A pesquisa comprova a possibilidade de se usar aprendizado de máquina e métodos de inteligência artificial (IA) para avaliar as diferenças da idade estimada e da idade real de uma pessoa, a partir de um eletrocardiograma (ECG), o que pode ser usado na medicina como um possível indicador de risco de morte. O trabalho com participação brasileira é parceria com cientistas da Universidade de Uppsala, na Suécia, e da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça.
Considerado revolucionário, o estudo contou com a expertise de Antônio Horta Ribeiro, graduado, mestre e doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e que, atualmente, atua como pesquisador na Uppsala University. Ele desenvolve, na Suécia, pesquisa que visa o desenvolvimento da inteligência artificial para a eletrocardiografia computacional.
Você poderia explicar esse estudo publicado na Nature Commnucations que estima a idade a partir do ECG?
O eletrocardiograma é um exame médico usado para medir a atividade elétrica cardíaca e detectar eventuais anormalidades, sendo o exame complementar mais comum para avaliar a situação do coração. Entretanto, queríamos avaliar se um algoritmo de inteligência artificial teria a capacidade de avaliar a idade de uma pessoa somente a partir desse exame. Para fazer isso nós mostramos mais de dois milhões de exames para um modelo de aprendizagem de máquina, para que ele pudesse aprender a realizar essa tarefa.
Ao procurar estimar a idade das pessoas pelo seu ECG, nós observamos que o algoritmo cumpria seu papel, mas apresentava um erro: às vezes, ele superestimava ou subestimava a idade real da pessoa. Seguindo as pistas de outros estudos, nós conseguimos mostrar que isso não era ao acaso e que a idade eletrocardiográfica, calculada pela inteligência artificial, se comporta como um marcador da idade biológica do coração. E que pessoas com a idade predita pelo IA substancialmente maior que a sua idade real tinham um risco de morte significativamente maior.
Você pode contar brevemente a sua trajetória na engenharia elétrica?
Eu ingressei no curso de engenharia elétrica da UFMG em 2011, onde cursei disciplinas como controle de processos, telecomunicações e análise de circuitos elétricos. Lá eu me interessei por projetos diversos. O primeiro projeto de que participei foi conduzido em parceria com a Petrobras. O projeto foi iniciado após a descoberta de reservatórios de petróleo na camada de pré-sal no Brasil e visava produzir tecnologia para a extração de petróleo em águas profundas.
Na extração de petróleo, os instrumentos localizados no fundo do poço sofrem um rápido desgaste devido às condições extremas. A manutenção e troca de tais equipamentos é complicada e cara. Nesse contexto, obter modelos matemáticos para variáveis do fundo do poço de petróleo, a partir de variáveis da plataforma, seria uma solução simples e barata. E esse era o objetivo do projeto.
Outro projeto de que participei, ainda durante o curso de graduação, foi o desenvolvimento de uma câmera estéreo durante um estágio na empresa iVision. Uma câmera estéreo é uma câmera que captura duas imagens de pontos de vista diferentes, com a finalidade de estimar a profundidade. A ideia imita nossos próprios olhos, que nos propiciam noção de profundidade exatamente por captarem imagens simultâneas de pontos de vista diferentes.
Como nasceu seu interesse pela Inteligência Artificial e pelo Aprendizado de Máquina?
Eu iniciei minha pesquisa em uma área vizinha ao aprendizado de máquinas, conhecida como Identificação de Sistemas. O professor Luis Antonio Aguirre, que foi meu orientador da graduação ao doutorado, me introduziu a este tema, no qual ele é um dos expoentes do Brasil. A identificação de sistemas estuda métodos para criar modelos para processos físicos, como, por exemplo, o modelo para a extração de petróleo, no projeto que eu mencionei.
Os grandes avanços que estavam acontecendo na área de aprendizado de máquina, porém, despertaram meu interesse, e eu comecei a ler e fazer cursos sobre o tema. Posteriormente, durante o meu doutorado, eu passei um ano na Suécia trabalhando com pesquisadores da área e consolidando meu conhecimento.
A partir de que momento você começou a utilizar IA e Aprendizado de Máquinas para ler e entender eletrocardiogramas?
Ainda durante o primeiro semestre do mestrado, eu cursei a disciplina de Processamento de Sinais. E escolhi fazer o processamento do eletrocardiograma como trabalho final da disciplina. Além disso, meu pai é cardiologista e me inspirou. Para realizar este trabalho na universidade, eu entrei em contato com a Rede de Telessaúde de Minas Gerais. E essa ligação com o centro culminou, mais tarde, na minha entrada no grupo de pesquisa CODE da Universidade Federal de Minas Gerais. Lá, utilizando um conjunto de dados com mais de dois milhões de registros coletados e anotados entre 2010 a 2017 pela Rede de Telessaúde de Minas Gerais, desenvolvemos um sistema capaz de detectar algumas anormalidades no ECG com maior precisão do que aquele que era feito pelos residentes de cardiologia. Esse primeiro trabalho foi publicado em 2020, também na revista Nature Communications, e teve vários desdobramentos.
E hoje? Como está sendo desenvolvido seu trabalho com ECGs? O que você busca descobrir?
Após estes primeiros trabalhos bem-sucedidos, estou agora envolvido em diversos projetos usando IA para análise de ECG. Além dos trabalhos que foram citados, outros três que estão em andamento merecem destaque. O primeiro busca desenvolver um método que detecta a fibrilação atrial antes de seu desenvolvimento e está sendo conduzido em conjunto com pesquisadores de Israel. O segundo almeja um algoritmo que identifique a doença de Chagas a partir do ECG. Ele pode servir, sobretudo, para fazer uma triagem e identificar pacientes que nem sabem que têm essa doença. Finalmente, o terceiro projeto detecta infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST, uma situação em que médicos têm dificuldade de identificar no eletrocardiograma. Esse último é muito interessante, porque usa um conjunto novo de dados coletado por médicos da Universidade de Uppsala e do Instituto Karolinska, contendo mais de um milhão de ECGs da região de Estocolmo.
Qual a aplicação prática de suas pesquisas? Como ela irá beneficiar diretamente médicos e pacientes?
Eu acredito que a própria Rede de Telessaúde de Minas Gerais poderia ser diretamente beneficiada pelos algoritmos que temos desenvolvido. Por dia, milhares de ECGs são analisados por cardiologistas trabalhando na Rede de Telessaúde de Minas Gerais. Métodos de inteligência artificial podem ser usados para a fazer a triagem dos exames, garantindo que exames que precisam ser analisados com urgência ganhem a devida prioridade. Além disso, pode ser usado para evitar que alguma alteração importante passe despercebida.
Alguns dos projetos que eu mencionei anteriormente buscam também fazer a triagem de condições que normalmente são detectadas com precisão a partir do ECG. O Eletrocardiograma é um exame fácil e barato de ser feito. Ele é realizado na maioria das consultas relacionadas a problemas cardíacos e esses métodos que temos desenvolvido podem ajudar a selecionar pessoas que deveriam fazer exames adicionais.
Você também é membro do SciPy. Você pode explicar o projeto e as suas contribuições nesta área de open software, isto é, de código aberto?
SciPy é uma biblioteca de rotinas numéricas implementadas na linguagem de programação Python. A biblioteca contém blocos fundamentais para a solução de problemas científicos. Vários projetos importantes mencionam a biblioteca diretamente em seu desenvolvimento, como a primeira imagem de um buraco negro e o primeiro helicóptero em Marte. Minha primeira contribuição para o SciPy aconteceu enquanto eu fazia mestrado e precisava implementar um filtro para remover a interferência da rede elétrica nos exames de ECG. Eu integrei a rotina na biblioteca de processamento de sinal SciPy e, mais tarde, naquele mesmo ano, eu contribuí com a implementação de um método de otimização.
Interessado em continuar contribuindo com o SciPy, apresentei uma proposta ao Google Summer of Code para trabalhar no SciPy. O Google Summer of Code é um programa da Google que paga uma bolsa para estudantes contribuírem para projetos de open software. Minha proposta foi aceita e eu fui orientado por três desenvolvedores SciPy. Em setembro de 2017, por causa de minhas contribuições para a biblioteca, fui convidado a fazer parte do projeto na equipe principal de desenvolvedores e participei da redação do artigo que descreve a versão 1.0 da biblioteca, publicado na Nature Methods.
Você está trabalhando também em outra linha de pesquisa intitulada “Superparametrização, generalização e robustez”. Você pode explicar brevemente esta pesquisa?
Os modelos que usamos no diagnóstico automático de ECGs são conhecidos como Redes Neurais. Esses modelos são inspirados em como nossas conexões neurais funcionam. Ao longo da última década, esses modelos tiveram sucesso em resolver vários problemas difíceis, desde vencer o campeão de Go (jogo tradicional chinês) numa partida até produzir predições precisas da estrutura de proteínas.
Um dos princípios que com frequência guia ciência e a engenharia é o princípio da parcimônia, ou seja, a ideia de que modelos para dados fenômenos devem ser o mais simples possível. Essa ideia também é central no aprendizado de máquina. É comum esperar que, ao tentar aprender um modelo flexível demais, esse modelo aprenda relações espúrias entre as variáveis, e não funcionar bem.
Os modelos de rede neural, no entanto, costumam ser muito grandes. De fato, apenas para salvar esses modelos no computador normalmente são necessários muitos gigabytes de memória. E também, à medida que aumentamos o tamanho desses modelos, eles costumam apresentar melhores resultados. Esse fenômeno intriga pesquisadores do mundo todo há algum tempo e apenas em 2017 os primeiros trabalhos explicando este fenômeno começaram a ser divulgados. Eu tenho trabalhado intensamente nessa linha de pesquisa, tentando estudar qual a relação entre o tamanho do modelo e sua capacidade de ser generalizado para novos cenários.
Qual a contribuição da CAPES para sua trajetória acadêmica?
A CAPES financiou dois momentos da minha trajetória acadêmica. O primeiro durante o mestrado. O segundo, pela bolsa CAPES-PRINT, logo que acabei meu doutorado. Durante essa bolsa, eu desenvolvi o trabalho de prever a idade a partir do Eletrocardiograma.
Assessoria de Comunicação Social do MEC com informações da CAPES
Fonte: https://www.gov.br/mec