Pesquisadores reportam novo caso de reinfecção da Covid-19 nos EUA
Reinfecção ocorreu 48 dias após primeiro contágio, e paciente teve evolução mais grave da doença no segundo caso
Após a divulgação por pesquisadores de Hong Kong do primeiro caso de reinfecção do novo coronavírus comprovado, cientistas norte-americanos divulgaram mais um caso de contágio de duas cepas do vírus por um mesmo indivíduo em Reno, no estado de Nevada (EUA).
Os dados foram publicados na forma de pré-print (ainda sem revisão por pares) e submetidos para publicação na prestigiada revista científica The Lancet na última quinta-feira (27).
No estudo, pesquisadores da Universidade de Nevada, do Instituto de Medicina Personalizada e do Laboratório de Saúde Pública do estado sequenciaram duas amostras distintas, chamadas de A e B, de um mesmo paciente que foi contaminado em dois momentos distintos.
O paciente, um homem de 25 anos, apresentou sintomas gripais —dor de garganta, tosse, dor de cabeça— em 25 de março e foi identificado em uma testagem comunitária feita pelos órgãos de saúde do Condado de Washoe, em 18 de abril. Após a confirmação por meio do exame RT-PCR, o homem foi isolado e relatou não ter mais sintomas em 27 de abril.
Um exame realizado no dia 9 de maio comprovou o fim da infecção. Novamente, no dia 26 de maio, outro exame RT-PCR foi feito para certificar que o vírus não estava mais em seu organismo, cujo resultado foi negativo.
O paciente voltou a apresentar sintomas no dia 31 de maio, quando procurou assistência médica com quadro de febre, diarreia, náusea e tosse. Após uma análise de radiografia do pulmão, o paciente foi liberado para casa. Cinco dias depois, o homem consultou novamente um médico, agora já com quadro de hipóxia, e foi encaminhado para um serviço de urgência.
A segunda infecção, confirmada por outro exame RT-PCR no início de junho, foi bem mais violenta, com hospitalização, necessidade de suporte de oxigênio e danos ao pulmão. O paciente se recuperou em 6 de junho. Nessa mesma data, um exame sorológico confirmou a presença de anticorpos IgM e IgG para o Sars-CoV-2.
Com as duas amostras de swab em mãos, os pesquisadores sequenciaram o material genético do vírus e encontraram diversas diferenças genéticas entre elas. Em uma análise com a sequência do vírus “zero” de Wuhan e amostras do laboratório público de Nevada, os cientistas concluíram que as duas cepas fazem parte de uma mesma linhagem —chamada de 20C.
Os pesquisadores argumentam que embora não seja impossível, a hipótese de o vírus ter permanecido “adormecido” no organismo do homem e sofrido mutações ali é extremamente improvável, pois para isso acontecer a taxa de mutação seria quase quatro vezes maior do que a encontrada do vírus na natureza.
“Ainda, de enorme relevância é a presença de quatro mutações entre as amostras A e B que, para serem mutações de um mesmo vírus, seriam um tipo de mutação [chamado reversão] ligado ao genótipo ancestral. As chances de isso ocorrer são tão remotas que chegam a ser inexistentes, e virtualmente asseguram que essas duas infecções foram eventos distintos.”
Como a segunda infecção foi bem mais acentuada do que a primeira, os pesquisadores avaliam que uma exposição inicial ao vírus não leva a uma imunização 100% protetora em toda a população, fato a ser considerado para a produção de vacinas. Ressaltam, no entanto, que é importante observar que a frequência de reinfecção ainda é muito baixa para afirmar que esse padrão de contaminação será repetido.
Segundo os autores, a segunda infecção ocorreu concomitantemente ao contágio de uma pessoa que mora na mesma casa que o homem e que não há nenhuma informação sobre o paciente tomar remédios imunossupressores ou ser imunodeprimido. A análise do RNA viral do outro morador está em andamento e pode trazer novas informações sobre o caso.
Os autores concluem que as dificuldades de rastreamento e testagem de casos suspeitos podem ainda interferir no diagnóstico e descoberta das reinfecções e que “a falta de sequenciamento genômico dos casos positivos nos Estados Unidos e em todo o mundo limitam a sofisticação da vigilância epidemiológica necessária para encontrar esses casos.”