Telemedicina tem potencial para ampliar acesso à saúde e diminuir desigualdades no país
Impulsionada pela pandemia do novo coronavírus, a telemedicina se mostrou uma importante ferramenta para cuidar da saúde — e não só em tempos de isolamento social. Aliada a um bom uso dos dados, um dos principais ganhos do setor de saúde com a tecnologia pode estar na predição e na maior precisão de diagnósticos, defendeu o fundador do Dr. Consulta, Thomaz Srougi, durante a live “Como será o futuro da telemedicina”, promovida nesta quinta-feira (03/09) como parte da programação do Fronteiras Digitais, uma série de debates realizados em parceria entre Época NEGÓCIOS e Vivo.
O bate-papo contou ainda com a participação do presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira, Albert Einstein Sidney Klajner, e do VP de Estratégia e Novos Negócios da Vivo, Ricardo Hobbs. O evento teve a mediação de Sandra Boccia, diretora de redação da Época NEGÓCIOS.
Os participantes lembraram que a medicina à distância já foi uma realidade no passado, quando médicos atendiam por telefone. Mas, no Brasil, questões legais e até culturais barraram a continuidade desse tipo de serviço. Para mostrar o potencial do setor, Sidney Klajner destacou os 42 milhões de atendimentos por telemedicina feitos nos Estados Unidos em 2018 e a parceria que o sistema público de saúde da Inglaterra (NHS) fez com uma startup para oferecer atendimento virtual durante a crise do novo coronavírus.
“A desigualdade entre as regiões brasileiras pode ser amenizada por meio da telemedicina, em um país que só 20% da população tem plano de saúde e apenas 65% possuem acesso a esgoto, mas 75% acessam a internet. Nas classes D e E, a penetração da internet é de 50%. Temos de apoiar essas iniciativas para reduzir as disparidades”, afirma Srougi.
Com a chegada da pandemia, o Dr. Consulta colocou em funcionamento uma plataforma que conta com inteligência artificial (IA), para alinhar as demandas por consultas virtuais e presenciais. Segundo Srougi, tanto médicos quanto pacientes preferiram ficar em casa, com receio de serem infectados pelo novo coronavírus. A pandemia foi um divisor de águas para a telemedicina. “Naturalmente, o atendimento remoto com IA gerou sinergia e proporcionou um cuidado com a saúde muito mais acessível. A maioria dos nossos 2 mil médicos está percebendo como a tecnologia pode aumentar a produtividade e a precisão dos diagnósticos”.
A possibilidade de alinhar conectividade com inteligência artificial para o uso de dados foi um dos destaques do debate, pelo potencial de melhorar a qualidade dos cuidados com a saúde. “Teremos um futuro muito mais digital e digitalizado no setor e a telemedicina é uma peça dentro desse quebra-cabeças”, afirma Rodrigo Hobbs, da Vivo. “O uso de dados será importante. De forma agregada e não individualizada, pode gerar muitas ações mais assertivas de políticas públicas de saúde”, conclui o executivo. Srougi, do Dr. Consulta, ressaltou ainda o desafio da regulação do sistema de proteção de dados, mas que, se bem gerido, “será uma ferramenta de evolução social brutal para os brasileiros”.
Humanização e envelhecimento
Outros dois pontos debatidos durante a live foram as possíveis limitações de um atendimento à distância e a necessidade de se ampliar o acesso à saúde. “Muitos médicos questionam a falta de contato humano, mas a pandemia derrubou esse preconceito já que a tecnologia também proporciona um contato muito próximo com o médico, assim como com amigos e familiares”, diz Klajner. O executivo lembra que uma consulta presencial não é garantia de um bom atendimento. O médico pode ainda assim não dar a atenção devida, com casos em que nem olha para o paciente. “A humanização independe de haver a presença física ou não”, diz.
Com o envelhecimento da população, o país precisa se preparar para ampliar sua estrutura de saúde. Para Srougi, o debate não deveria ser se a telemedicina vai ser regulada, mas se a oferta de saúde será suficiente para atender a população brasileira que está envelhecendo. A estimativa é que a demanda por estrutura triplique. Com o uso de dados, teremos uma predição fenomenal e o poder de extrair inteligência para empoderar usuários e fazer com que as pessoas acessem médicos não para resolver problemas, mas para prevenção”, afirma o fundador do Dr. Consulta.
Futuro próximo
Os participantes acreditam que o Brasil vive hoje os mesmos desafios de outros países: digitalizar a mecânica de atendimento em saúde e conviver com a inflação médica e um sistema que precisa ser equilibrado.
A necessidade de aumentar a produtividade e a eficiência sem elevar muito os custos estão no horizonte dos gestores em saúde e tecnologia. “Se quisermos entregar de fato mais saúde, com melhor coordenação, a tecnologia está disponível. É só fazer bom uso e abranger uma maior parcela da população”, afirma Klajner. Segundo Srougi, será fundamental a empatia, colocando o interesse de pacientes e de médicos acima dos institucionais. “Precisamos abraçar a inovação para termos empresas e pessoas mais produtivas, gastando menos e mais felizes. Quem sobrevive é quem se adapta”.
Telemedicina
Em março deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu a prática de telemedicina, em caráter excepcional, enquanto durar a situação de emergência em saúde pública provocada pela pandemia de covid-19.
Regulamentada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a medida determinou que os hospitais e clínicas não são obrigados a oferecer essa opção, mas as operadoras de plano de saúde já vêm apresentando serviços nessa modalidade.
A medida coloca em prática, ainda que provisoriamente, algo que vem sendo debatido no Brasil há pelo menos duas décadas. A regulamentação atual, datada de 2002, chegou a ser atualizada em 2018, mas posteriormente descartada a fim de que o debate fosse retomado.
Por um lado, a telemedicina apresenta enormes vantagens: permite, por meio da conectividade, o acesso a atendimento a partir de lugares remotos, assim como a realização de consultas e o intercâmbio entre os próprios profissionais da área. Por outro lado, a maior exposição digital faz com que as instituições precisem ficar mais atentas à privacidade dos dados dos pacientes e investir em segurança para que essas informações sensíveis não sejam expostas.
Passo acelerado
Para além das questões a respeito da regulamentação e das regras para o bom funcionamento da telemedicina, o fato é que ela avança rapidamente no mundo todo, especialmente depois do início da pandemia de covid-19.
De acordo com a empresa de análises Forrester Research, o número de consultas à distância aumentou 50% nos Estados Unidos desde o início da pandemia e deverá alcançar um 1 bilhão de interações até o fim deste ano. Assim como aconteceu no Brasil, o governo americano facilitou o acesso ao atendimento de telemedicina, enquanto durar a crise de saúde.