Vacina contra Covid-19 precisará ter eficiência de 50%, diz OMS
Segundo cientista-chefe Soumya Swaminathan, parâmetro é o mínimo para garantir proteção
Para ser recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), uma vacina contra a Covid-19 deve ter eficiência mínima de 50%, com não menos que 30% em sua banda inferior, afirmou nesta segunda (31) a cientista-chefe da entidade, Soumya Swaminathan.
Os parâmetros fazem parte do perfil do produto alvo publicado pela OMS, que inclui também a comprovação de que a vacina é segura, ou seja, eventuais efeitos colaterais mais graves devem ser raros.
Segundo a assessoria da OMS, no caso do novo coronavírus (Sars-CoV-2), a proporção de pessoas que precisam estar imunizadas contra o patógeno para que a população esteja protegida é de 65% a 70%. “Quanto mais transmissível o vírus, maior é essa proporção”, afirmou a OMS.
Estudos recentes indicam que de 5% a 10% da população global tem anticorpos por exposição ao Sars-Cov-2, o que significa que “a maior parte da população mundial ainda é suscetível e a infecção pode continuar em ondas”.
A vacina seria uma forma de chegar a essa proporção de imunização protetora com mais segurança e eficiência. Há mais de 200 projetos candidatos a se tornarem uma vacina produzida e distribuída globalmente, em diferentes fases de desenvolvimento, disse Swaminathan.
Segundo relatório da última sexta (28), há no momento 33 vacinas em fase de experimentos clínicos, das quais 10 estão na etapa mais adiantada, chamada fase 3.
Outras 143 vacinas estão em fase pré-clínica.
Swaminathan afirmou que é importante ter um grande número de projetos, porque mais de um tipo de vacina pode ser necessário para proteger a população, ou dois ou mais tipos podem ser combinados, para elevar a eficiência da imunização.
Em sessão de resposta a dúvidas do público há algumas semanas, a cientista-chefe da OMS também disse que o grande número de candidatos aumenta a chance de se encontrar uma vacina viável: “Normalmente a taxa de sucesso de uma vacina é de 10%. Quanto mais candidatos tivermos, mais oportunidades teremos de sucesso”.
Quais os tipos de vacina em pesquisa?
Há três plataformas já usadas em vacinas anteriores:
- Vírus inativado: produtos químicos são usados para que o vírus não possa mais se multiplicar. O resultado é purificado e transformado em vacina
- Proteína S: Usa uma parte do vírus, a proteína S (de “spike” ou espícula, estrutura usada pelo vírus para se ligar às células do hospedeiro). Ela pode ser obtida por mais de um método: com tecnologia recombinante, pela extração do vírus ou pela criação de partículas semelhantes a vírus.
- Por vetor: outro vírus que seja inofensivo é usado para levar material do coronavírus e induzir a imunidade. Entre os usados em outras vacinas estão o do sarampo, da varicela ou um adenovírus.
E duas plataformas ainda não usadas em humanos:
- Vacinas de RNA – o material genético do vírus (RNA mensageiro ou RNA do vírus) é injetado e, nas células humanas, o RNA mensageiro dá uma mensagem para a produção da proteína S do vírus, que induz a resposta imune.
- Vacinas de DNA – semelhante à de RNA, mas o material genético injetado tem as duas fitas para a produção da proteína S, em fez de uma fita só.
Quais as etapas de desenvolvimento da vacina antes dos testes com humanos?
- Decodificação da sequência genética do Sars-Cov-2 (a primeira foi publicada por cientistas chineses em 11 de janeiro)
- Criação da vacina em laboratório
- Testes em pequenos animais (ratos, hamsters e porquinhos-da-índia)
- Testes em animais maiores e primatas não humanos (macacos)
Quais as fases dos testes em humanos?
Fase 1 – Voluntários adultos são selecionados e a vacina é dada, às vezes em doses diferentes, a geralmente entre 30 a 50 pessoas.
O objetivo é verificar a segurança da vacina: se não há efeitos inesperados.
Fase 2 – A segurança é testada em um grupo maior, que pode ser de centenas de pessoas ou até mais de 1.000. Começa a ser testada também a imunogenicidade, ou seja, a capacidade da vacina de provocar uma forte resposta imunológica.
Para isso, são feitas análises de sangue dos voluntários em diferentes momentos, para avaliar a reação imunológica e as condições gerais de saúde.
Fase 3 – Considerada a mais importante, porque determina se a vacina protege de fato da doença, é feita com dezenas de milhares de voluntários saudáveis, que corram risco de se infectados.
Como funciona a fase 3?
Metade dos voluntários recebe a vacina e a outra metade, uma injeção placebo ou uma vacina para outra doença, como hepatite ou meningite.
Os grupos são acompanhados por vários meses, para ver que indivíduos contraem o coronavírus e como se desenvolve a Covid-19. Essa fase é feita em países onde há mais circulação do vírus (como o Brasil, no momento).
São então comparados os dois grupos, para determinar se os que receberam a vacina testada foram mais protegidos que os que receberam um placebo ou outro produto.
A diferença entre os dois grupos é o que se chama eficiência da vacina. Quanto mais alta, maior a proteção.
Como são testadas dezenas de milhares de pessoas, efeitos colaterais relativamente raros também podem ser detectados.
O monitoramento dos voluntários por meio dos exames de sangue continua por alguns anos, para determinar por quanto tempo ela protege contra a infecção.
O que está sendo acelerado na vacina para Covid-19?
Resultados expressivos na fase 3 podem ser considerados satisfatórios num período de 6 meses, mas os voluntários continuarão a ser acompanhados por dois ou mais anos. Reguladores estão discutindo quais as condições para que uma vacina possa receber autorização.
A OMS discutiu também parâmetros éticos para a condução dos chamados “desafios”, quando voluntários que tomaram uma vacina são deliberadamente expostos ao coronavírus, para avaliar a proteção. Os “desafios” podem acelerar ou substituir a fase 3, mas é preciso pesar com cuidado os riscos.
Depois há ainda a fase 4, em que uma vacina que já foi licenciada continua sendo monitorada até que haja segurança absoluta de que ela é segura e eficaz.
Quem decide se a vacina pode ser usada?
A OMS faz uma pré-qualificação, é uma referência de qualidade, com base na qual agências de compras globais —como Gavi, Unicef, Fundo Global— decidem a aquisição em massa para aplicação ou doação países.
Cada país tem seu próprio órgão regulador, que autoriza a aplicação da vacina. O departamento regulatório da OMS atua com os reguladores na definição de critérios e na avaliação sobre se um produto atende ou não aos critérios.
Como há pressa para a imunização contra a Covid-19, deve haver mais coordenação nesses processos.
Há testes específicos para pessoas mais velhas?
Há vacinas que não provocam o mesmo tipo de resposta imunológica em idosos, e é importante testar esse grupo. Normalmente, o teste começa com adultos, de 18 a 55 anos ou mais. Mas vacinas candidatas estão prevendo também testes a partir de 5 anos e com a faixa entre 55 e 70 anos.
Quanto tempo deve levar até termos uma vacina?
Em geral, as fases 1, 2 e 3 são feitas uma depois da outra, e só então os produtores começam a solicitar autorização aos países, mas nesta pandemia as fases foram feitas em paralelo, e também o investimento em fabricação está sendo antecipado.
Pode haver resultados positivos no final deste ano, mas ainda serão necessárias bilhões de doses e a vacinação de bilhões de pessoas, o que deve levar de um ano a um ano e meio.
A ideia é garantir compras, para que fabricantes invistam já na capacidade de produzir as vacinas (nas diferentes plataformas que estão sendo pesquisadas).
A OMS também está coordenando a estrutura dos órgãos de regulação dos países para agilizarem a avaliação e aprovação e para que tenham estrutura para implantar a vacinação: logística, refrigeradores, agulhas, seringas, mão de obra treinada e campanha de informação.
Há diferença na informação?
A maioria dos países tem um programa de vacinação voltado para crianças, e não para grandes populações de adultos.
Será preciso ter protocolos claros e garantir a segurança e eficácia, para reduzir a insegurança de pessoas que têm dúvidas sobre vacinas.
Sempre pode haver um efeito colateral muito raro que não só seja observado quando milhões de pessoas são vacinadas. Por isso é feito o monitoramento pós-licenciamento, chamado às vezes de fase 4.
Como em qualquer aprovação de remédio ou vacina, é analisada a relação entre risco e benefício. Para ganhar tempo sem comprometer a segurança é que está sendo feito o planejamento antecipado e a sobreposição de fases de experimento.
Como é a imunidade contra Covid-19?
Há dois tipos principais, a imunidade celular, que são as células T, e a imunidade umeral, que são os anticorpos (células B) produzidos pelo corpo contra um patógeno.
Normalmente, quando o corpo vê um tipo específico de bactéria ou vírus, ele pode estimular um ou ambos os braços do sistema imunológico.
O Sars-Cov-2 parece estar estimulando células T e B, que num primeiro momento matam o patógeno.
Mas, depois do contato com o vírus, elas desenvolvem uma “memória” do patógeno, de suas proteínas, que fica na medula óssea por muito.
Quando o corpo é exposto novamente ao mesmo vírus, essa memória é ativada e produz anticorpos e resposta das células T.
A maioria das pessoas que se recuperam de Covid-19 desenvolve anticorpos, o que significa que uma vacina tem boa chance de provocar imunidade protetora ao gerar esses anticorpos.
As vacinas que estão sendo testadas até agora também mostraram que estimulam a resposta imune celular.
Ainda se pesquisa para saber por quanto tempo duram os anticorpos. Há resultados que indicam que a meia-vida é de 75 dias.
Mas isso não significa que essas pessoas não sejam protegidas, já que o sistema imunológico retém a memória do patógeno.
Por quanto tempo a vacina será capaz de proteger?
Há doenças como o sarampo para as quais a imunização é de longa duração. Outras, como a gripe, não, porque o vírus sofre mutação.
É preciso uma nova vacina a cada ano para reestimular o sistema imunológico.
O Sars-CoV-2 sofre mutação, será preciso estudá-lo constantemente, para saber se, ao ser exposto pela segunda vez ao mesmo vírus, a pessoa continua protegida.
Para os outros coronavírus, como Mers e Sars, os anticorpos protegem para a mesma infecção por dois anos.
E se nunca houver uma vacina viável?
Não há garantia de 100% de que uma vacina possa ser usada contra o Sars-Cov-2, mas há boas chances para isso.
Sem a vacina, já são conhecidas as ferramentas básicas para minimizar a transmissão: usar máscaras, manter distância, lavar as mãos, proteger o rosto com o braço ao espirrar ou tossir e evitar lugares cheios e fechados por muito tempo.
A imunidade de rebanho, que protege a população, pode ser obtida por meio de infecção natural, mas leva muito tempo, com várias ondas de contágio e o risco de mortes desnecessárias.
Portanto, a ideia é manter o nível de infecção em um índice baixo para não sobrecarregar os sistemas de saúde e investir em novos tratamentos que evitem mortes.